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quinta-feira 1 de abril de 2021 às 05:43h

‘A democracia veio para ficar e todos nós brasileiros devemos encarar assim’, diz Marco Aurélio

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O ministro Marco Aurélio, 74 anos,  decano do STF (Supremo Tribunal Federal), classifica em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, como “ruim” a mudança realizada pelo presidente Jair Bolsonaro no Ministério da Defesa e no comando das Forças Armadas, mas não vê risco à democracia.

Para o magistrado, as substituições, no entanto, geram insegurança. “A repercussão é ruim porque, principalmente considerando o leigo, gera insegurança, insegurança jurídica, e para viver em sociedade nós precisamos de segurança”, afirma.

“Forças Armadas não são órgão do governo, são órgão do Estado”, ressalta, em entrevista à Folha.

Marco Aurélio, que se aposenta do STF dia 5 de julho, também diz que ficou “perplexo” com a mudança de voto da ministra Cármen Lúcia em relação à declaração de parcialidade do ex-juiz Sergio Moro na condução do processo do tríplex que levou o ex-presidente Lula (PT) à prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

O ministro defende Moro e diz que a decisão do ministro Edson Fachin de anular as condenações de Lula “causou uma celeuma brutal”.

Como o senhor interpretou as trocas no Ministério da Defesa e no comando das Forças Armadas? De início, qualquer modificação gera instabilidade e aí surgem as especulações. Agora, precisamos reconhecer que o chefe do Executivo nacional pode mudar o ministério. E foi o que ele deliberou fazer. A repercussão é ruim porque, principalmente considerando o leigo, gera insegurança, insegurança jurídica, e para viver em sociedade nós precisamos de segurança.

Como o senhor avaliou as notícias de que o presidente Jair Bolsonaro fez as mudanças com o objetivo de encontrar mais respaldo nas Forças Armadas em relação a seus embates políticos? Eu não conheço os bastidores, mas o próprio general Fernando Azevedo [ex-ministro] disse que na gestão dele no Ministério da Defesa manteve as Forças Armadas, como convém, órgão institucional do Estado, não do governo. E assim o é, as Forças Armadas não são órgão do governo, são órgão do Estado.

O senhor acha que essa troca teve alguma intenção por trás em relação à politização das Forças Armadas? Eu não sei, eu não mantive contato com o presidente da República. Agora, eu sempre presumo que ocorre o normal, e não o extravagante, o excepcional. Para mim, querer guiar as Forças Armadas para certa finalidade, que é finalidade governamental, desrespeita a Constituição, não é essa a finalidade prevista na Constituição. Agora, eu não sei, teria que conversar com o presidente da República e não o fiz.

Na visão do senhor, a democracia está em risco? Eu creio que a democracia veio para ficar e todos nós brasileiros devemos encarar assim. Ou seja, não há espaço para saudosismo considerado o regime de exceção.

No próximo dia 14, o STF julgará se mantém a decisão do ministro Edson Fachin de anular as condenações contra o ex-presidente Lula. O senhor está se preparando para o julgamento? Não, eu tenho o domínio claro da matéria. Eu não me preparo em relação a processo que não está sob minha relatoria. Quero estar na bancada, ou na sala de videoconferência, totalmente livre de ideias pré-concebidas para ouvir o relator, ouvir as sustentações que ocorrerem e aí chegar ao meu entendimento.

Agora, foi o que disse quando veio a decisão, eu fiquei realmente perplexo. Perplexo com o novo fato, não estou dizendo que a decisão do ministro Edson Fachin está errada, isso o colegiado vai decidir dia 14, mas que causou uma celeuma brutal, causou.

O senhor disse em entrevistas que a decisão pode ser revertida. Como o senhor acha que será esse julgamento? Eu evidentemente, diante do fato de as decisões condenatórias terem passado pelo crivo do regional federal [Tribunal Regional Federal da 4ª Região], pelo crivo do STJ [Superior Tribunal de Justiça], e ter caído agora na via do habeas corpus e não de uma revisão criminal, penso que há de se refletir e observar a organicidade do direito, a dinâmica do direito. Porque quando se tem título judicial transitado em julgado o normal não é que se reveja esse título numa via estreita do habeas corpus, mas mediante ação de conhecimento que é a revisão criminal.

A condenação do caso do tríplex foi confirmada pelo TRF-4 e pelo STJ. Houve a decisão do juiz da 13ª Vara Criminal em Curitiba que, sob o meu olhar, se mostrou um grande juiz. Essa decisão foi impugnada e o órgão revisor, que é o TRF4, a confirmou. Tentou-se reverter os títulos judiciais condenatórios no STJ e não se logrou êxito. E aí de repente um integrante do Supremo julga, no campo individual, o habeas corpus que, para mim, é atribuição do colegiado, e retira do mundo jurídico os títulos condenatórios. Para mim o sistema fica um pouco confuso, para dizer o mínimo.

O senhor acredita que ficou difícil de explicar para um leigo tudo que ocorreu? Se eu com 42 anos de ofício judicante em colegiado pegando no pesado fiquei atônito, imagina o leigo. Foi o que disse, gera uma insegurança muito grande.

Os pronunciamentos judiciais existem para se ter a segurança jurídica e, a partir do momento em que decisão condenatória transita em julgado, você tem um quadro definitivo que, a meu ver, só pode ser revisto pela revisão criminal ou, excepcionalissimamente, quando comprovada ilegalidade, pela via do habeas corpus.

O senhor considera que Sergio Moro foi um grande juiz? Sem dúvida. Não posso conceber que homem que surgiu como herói nacional mostrando nova vertente quanto ao combate à corrupção de repente se torne vilão e seja execrado. Isso não passa pela minha cabeça.

Não tenho amizade com o ex-juiz Sergio Moro e cheguei mesmo a dizer que, como ele virou as costas a um cargo efetivo da magistratura, não gostaria que me sucedesse. Não que eu tenha nada contra ele, mas só pela postura adotada. Como alguém que virou as costas à magistratura é nomeado? Então, será um prêmio de consolação para o Supremo? Isso evidentemente deixa o sistema capenga.

O senhor acredita que a decisão da Segunda Turma de declarar Sergio Moro parcial em relação ao ex-presidente Lula no processo do tríplex é mais um componente nesse cenário que pretende torná-lo vilão?
É mais um componente para confundir tudo. Por exemplo, não entendi até hoje o voto da ministra Cármen Lúcia, minha colega, no que ela em 2018 acompanhou o relator, ministro Fachin, e agora na última sessão reajustou o voto. Mas ela deve ter tido as razões dela, também não fui pesquisar para saber quais são.

É difícil explicar essa mudança de voto? A mudança é sempre possível, desde que não tenha havido proclamação final, e não houve. Houve pedido de vista que se projetou no tempo de 2018 até agora. Ela poderia em tese reajustar? Poderia. Ela se convenceu que deveria reajustar e reajustou. E aí evidentemente, como tenho meus processos para relator, para estudar, não fui atrás para saber as razões dela. Mas que todo mundo ficou perplexo, ficou.

Na visão do senhor não houve uma mudança de cenário tão grande de 2018 para cá para justificar a mudança de posição? Eu evidentemente não entrei no tema para saber se houve mudança ou não de cenário. Eu de início acredito que não tenha havido. E aí nós temos o critério da prevenção, como o primeiro crime, que foi de lavagem por um doleiro, foi praticado no Paraná, isso teria gerado a competência do juízo criminal do Paraná. É o que sustenta inclusive no recurso a PGR [Procuradoria-Geral da República].

O senhor acredita que as mensagens hackeadas de procuradores da Lava Jato podem servir como prova?O hackeamento é um ato ilícito e, se é um ato ilícito, você chega a uma consequência quanto ao que levantado mediante o hackeamento, ou seja, a insubsistência, senão nós vamos legitimar hackeamento. É como interceptação de uma ligação telefônica. Vale algo interceptado sem ordem judicial? Não. Se o fez, evidentemente que o captado não servirá de prova para coisa alguma. Para mim ato ilícito não gera direitos. Nem para absolver nem para condenar.

Diante de tantas decisões contrárias à Lava Jato, o senhor acha que dá para dizer que a operação acabou?Não dá para dizer porque ainda acredito nas instituições pátrias e vejo a Lava Jato como um passo largo em direção a dias melhores.

O resultado geral da Lava Jato compensa erros que eventualmente tenham sido cometidos? Sim. E aí cai tudo? Caem todas as condenações que houve? E as absolvições também caem? O juiz Sergio Moro disse em veículo de comunicação que absolveu muita gente, não sei nem se chegou a absolvição em algum caso do ex-presidente Lula, isso eu teria que verificar. Mas evidentemente não se pode adotar dois pesos duas medidas. Quer dizer, não há suspeição dele se ele absolveu, mas se ele condenou há suspeição? Tem alguma coisa errada, o sistema não fecha.

Como o senhor vê a discussão a respeito da Lei de Segurança Nacional, que o STF deve julgar em breve?Vou repetir o que disse quanto à Lei de Imprensa, mas eu fiquei vencido à época também. Depois dizem “Ah, o ministro Marco Aurélio fica vencido”. Eu disse que Lei de Impresa era uma lei já depurada. Depurada por quem? Pelo Judiciário, que tinha excluído ante à pecha de inconstitucional o que conflitava com a Constituição. Mas o STF bateu martelo e disse ‘olha, não subsiste’. O que posso afirmar em relação à Lei de Segurança Nacional é que não tenho ranço, eu não rotulo batendo carimbo tudo que nos veio do regime de exceção como conflitante com novos ares constitucionais.

E que o senhor acha dessas ações específicas do governo de abrir inquérito contra opositores com base na Lei de Segurança Nacional? Se ele acionou a lei e se o quadro se enquadra na lei, evidentemente ele não claudicou na arte de proceder.

Tem que ser analisado caso a caso? Caso a caso e vendo parâmetros do caso e a legislação da regência, tendo no ápice da pirâmide das leis a lei das leis, que é a Constituição, que é rígida.

O senhor anunciou que irá se aposentar em 5 de julho. Qual o sentimento de ter que deixar a corte depois de 31 anos como ministro do STF? Tenho 42 anos julgando em colegiado na linha de frente, pegando no pesado, e completei tempo para me aposentar espontaneamente aos 52 anos de idade. Continuei porque eu me realizo como julgador e hoje tenho mesmo entusiasmo, com uma bagagem em termo de experiência muito maior que tive ao enfrentar como juiz em 1978 o primeiro conflito de interesses.

O senhor vai advogar, vai descansar, quais os planos? Eu presido o Instituto Uniceub de altos estudos. Tenho essa parte acadêmica e vamos ver o que ocorrerá. Uma coisa posso garantir: não vou morrer de tédio. Acabei de fazer exames de sangue e o médico me disse “olha, seus exames são de um garoto”. Olha, eu disse que a genética ajuda e eu faço atividade física e sigo uma máxima: brigo pelo café da manhã, divido almoço com amigo e dou jantar ao inimigo.

Qual o balanço que o senhor faz da atuação do Brasil no combate à pandemia da Covid-19? A ficha do brasileiro decididamente ainda não caiu. Os brasileiros, vocês têm visto as diligências policiais, para acabar com show, para acabar com danças, inclusive de pessoas da meia idade. Ainda não deram importância ao que está ocorrendo. Hoje, considerada proporcionalmente a nossa população, nós estamos em primeiro lugar. um primeiro lugar que não gostaria de se ambicionar, o de números de mortos

O senhor acredita que a culpa é mais da população que não se conscientizou do que das autoridades responsáveis por enfrentar a doença? Há um problema cultural. E só se avança culturalmente observando parâmetros. E para o brasileiro a ficha não caiu. Você veja que vários países começaram com o fechamento para depois abrir, nós começamos pela abertura para depois fechar. Há um descompasso aí gritante.

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