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terça-feira 18 de agosto de 2020 às 07:56h

Após 20 anos e R$ 22,6 bi arrecadados, Fust falha em ampliar acesso à internet

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O Brasil tem 14,9 milhões de lares sem acesso à internet. São quase 46 milhões de pessoas desconectadas — um quarto da população com mais de 10 anos de idade. Desse contingente de excluídos digitais, 7,5% não têm sinal disponível, 25,4% não podem pagar pelo serviço e 24,3% não sabem usar a rede mundial de computadores. Os dados são da última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD-Contínua), divulgada em abril pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O cenário poderia ser outro, conforme reportagem da Agência Senado.

Há exatos 20 anos, no dia 17 de agosto de 2000, era sancionada uma lei que prometia revolucionar o acesso à informação no Brasil. A Lei 9.998, de 2000, cria o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) e obriga todas as empresas do setor a destinar 1% da receita operacional bruta à expansão do serviço — especialmente, nas regiões consideradas não-lucrativas. Passadas duas décadas, o Fust arrecadou mais de R$ 22,6 bilhões, de acordo com a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Mas apenas uma parcela irrisória do dinheiro foi aplicada para atenuar o abismo digital que isola parte da população.

A lei nasceu de um projeto (PLC 60/1999) apresentado pelo então deputado federal e ex-senador José Pimentel. Ele sugeria que a contribuição das empresas ao Fust fosse maior: 10% do valor da outorga paga à União e 2% da receita operacional bruta. “É de vital importância que o fundo faça aplicações na área da educação nacional. Interligar os estabelecimentos de ensino à internet é apenas um exemplo do grande salto de qualidade que as escolas podem dar utilizando as telecomunicações”, justificava Pimentel.

O projeto aprovado pelas duas Casas do Congresso Nacional e sancionado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso excluiu da conta o percentual de outorga e fixou a contribuição das empresas em 1%, mais um repasse de até R$ 700 mil por ano do Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel). Do total arrecadado, 30% deveriam ir para as regiões de abrangência das Superintendências de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) e do Nordeste (Sudene). Outros 18%, para os estabelecimentos públicos de educação.

Na época, a norma foi considerada um avanço. Ela previa como objetivos do Fust atender comunidades pequenas e com baixo poder aquisitivo, garantir a cobertura em áreas remotas e de fronteira, ampliar a telefonia rural e assegurar acesso a telefone e internet de alta velocidade em escolas, bibliotecas, hospitais, delegacias e outros órgãos públicos. Mas isso ficou no papel.

“Descompasso”

De acordo com a União Internacional de Telecomunicações (UIT), agência vinculada à Organização das Nações Unidas (ONU), 4,1 bilhões de pessoas utilizam a rede mundial de computadores. Isso corresponde a 53,6% da população do planeta. A UIT alerta, em contrapartida, que expressivos 3,6 bilhões de pessoas permanecem off-line — a maior parte em países considerados menos desenvolvidos, onde em média apenas 20% dos cidadãos estão conectados.

No Brasil, o acesso à internet cresce a cada ano. Segundo a PNAD-Contínua, o celular está presente em 99,2% dos domicílios ligados à web; o computador, em 48,1%; e a smart TV, em 23,3%. Há conexão por banda larga móvel em 80,2% das casas. O percentual de pessoas que fazem chamadas de voz via internet bate os 88,1%, e 81,8% dos brasileiros usam a rede para assistir vídeos.

Os números são respeitáveis. Porém, alguns indicadores sugerem que muito pouco ou quase nada do que ocorre no cenário nacional se deve ao Fust. O primeiro indicador tem relação com a distribuição geográfica dos acessos. De acordo com o IBGE, enquanto a utilização da internet em áreas urbanas atinge 83,8% dos lares, menos da metade dos domicílios rurais (49,2%) está “logada”. A mesma disparidade se verifica quando se comparam as regiões do país. De acordo com a média nacional, 75,9% dos lares com internet utilizam banda larga fixa. Na região Norte, são apenas 53,4%.

A pesquisa TIC Domicílios 2019, conduzida pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil, reforça a percepção de que o Fust não foi capaz de conectar as camadas mais pobres da sociedade. Nas classes A e B, mais de 90% da população com mais de 10 anos de idade acessa a rede mundial de computadores. Nas classes D e E, a proporção é de 57%. Enquanto as classes A (87%) e B (73%) conectam-se à internet simultaneamente por computadores e celulares, apenas 38% da classe C e 14% da D e da E utilizam ambos os dispositivos.

Outro indicador que evidencia a baixa eficácia do fundo é a própria execução dos recursos. O Tribunal de Contas da União (TCU) concluiu em 2016 uma fiscalização sobre a infraestrutura de telecomunicações do Brasil. Um dos pontos mais explorados pelo relator, ministro Bruno Dantas, foi justamente a utilização do dinheiro do Fust e do Fistel. Dantas alertou para “o descompasso entre o volume arrecadado e a aplicação dos recursos nos objetivos que motivaram a criação” dos dois fundos.

Os dados são alarmantes. De acordo com o TCU, dos R$ 16,05 bilhões amealhados pelo Fust entre 2001 e 2015, apenas 1,2% foi utilizado na universalização dos serviços de telecomunicações. Nada menos que 69,39% da arrecadação foi empregada “em outros fins”, como remuneração de instituições financeiras, auxílio-transporte para servidores do Ministério das Comunicações e assistência médica, odontológica e pré-escolar para dependentes.

ARRECADAÇÃO DO FUST

* Até julho

Fonte: Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel)

Apesar do aporte de R$ 22,6 bilhões ao longo dos últimos 20 anos, os saques na conta do Fust para outras finalidades reduziram o superavit financeiro do fundo a R$ 5,6 bilhões em 2019. “As barreiras que impediam a aplicação dos recursos do Fust não estavam relacionadas à eventual impropriedade na legislação que rege o fundo. A paralisia devia-se antes à falta de articulação e de prioridade no âmbito do Poder Executivo em relação ao assunto”, concluiu o ministro Bruno Dantas.

O portal Siga Brasil, mantido pelo Senado, agrega informações sobre a execução do Fust nos últimos seis anos. Embora os dados relativos à arrecadação do fundo divirjam dos números apresentados pela Anatel (veja quadro), o levantamento expõe uma realidade desoladora: de R$ 9,1 bilhões autorizados entre janeiro de 2015 e julho de 2020, só foram efetivamente pagos R$ 573,2 mil — o equivalente a 0,006%.


DESPESAS DO FUST
ANO PLANEJADO PAGO PERCENTUAL
2015 R$ 3,9 bilhões R$ 193,2 mil 0,0049%
2016 R$ 1,7 bilhão R$ 193,2 mil 0,0113%
2017 R$ 1,3 bilhão R$ 111,5 mil 0,0085%
2018 R$ 322,3 milhões R$ 64,9 mil 0,0201%
2019 R$ 1,2 bilhão R$ 10,4 mil 0,0008%
2020* R$ 758,4 milhões
TOTAL R$ 9,1 bilhões R$ 573,2 mil 0,0062%

* Até julho. Valores corrigidos pelo IPCA

Fonte: Portal Siga Brasil

Nota: A Agência Nacional de Telecomunicações e o portal Siga Brasil apresentam números diferentes para a arrecadação do Fust entre 2015 e 2020 — R$ 6,5 bilhões e R$ 9,1 bilhões, respectivamente. Em 2016, uma fiscalização do Tribunal de Contas da União encontrou “uma divergência considerável” nas contas apresentadas pela Anatel e determinou a revisão dos dados. A autarquia recalculou para baixo os saldos excedentes de 2008, 2009, 2011 e 2012, o que foi efetivado em 2016 e 2017.

Isso significa que, mesmo dispondo de um fundo bilionário para alavancar as telecomunicações no país, os presidentes Dilma Rousseff, Michel Temer e Jair Bolsonaro desembolsaram em média R$ 8,5 mil por mês no período, em valores corrigidos pela inflação (IPCA). Para se ter ideia da insignificância da cifra, o dinheiro seria suficiente para adquirir apenas dois laptops a cada 30 dias para todo o Brasil, segundo as mais recentes atas de preço registradas no Portal de Compras do governo federal.

A presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia (CCT), senadora Daniella Ribeiro (PP-PB), alerta, entretanto, que a ineficiência na administração dos recursos do Fust não é algo recente, mas um problema que se arrasta pelas últimas duas décadas. Para ela, o fundo “nunca contribuiu efetivamente para a universalização das telecomunicações”.

— Durante 20 anos, o Fust, com uma reserva de R$ 20 bilhões, foi utilizado apenas uma vez para destinar cerca de R$ 500 mil para um programa de acessibilidade. O percentual de utilização é muito baixo e nunca foi efetivamente voltado para fins tecnológicos. Neste período, os recursos do Fust ajudaram a manter o superavit primário e a pagar as dívidas do governo — pontua.

Mudanças na legislação

O Congresso analisa mais de 40 proposições para garantir efetividade ao Fust — 18 delas no Senado. As propostas preveem desde novos objetivos para o fundo até a proibição de contingenciamento de recursos para a realização de superavit primário. Outra parcela de projetos estabelece regras para o uso emergencial do dinheiro durante a pandemia de coronavírus.

PROJETOS NO SENADO CRIAM NOVOS USOS PARA RECURSOS DO FUST

PLS 433/2018

Otto Alencar (PSD‑BA)

Prevê pagamento de despesas de telecomunicações do Programa Antártico Brasileiro.

PLS 222/2017

Jader Barbalho (PMDB‑PA)

Promove massificação de serviços de telecomunicações prestados em regime privado (acesso a internet e telefonia móvel, por exemplo).

PLS 125/2017

Otto Alencar (PSD‑BA)

Proíbe contingenciamento de recursos do Fust e do Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações (Funttel) a partir de 2020.

PLS 163/2016

Randolfe Rodrigues (Rede‑AP)

Estimula massificação do acesso a banda larga móvel, banda larga fixa, telefonia móvel e interiorização das redes por pequenos provedores de internet.

PLP 197/2020

Dário Berger (MDB‑SC)

Custeia medidas emergenciais de estímulo e manutenção da educação básica, superior e técnica privadas durante a pandemia de coronavírus.

PLC 142/2018

Poder Executivo

Custeia Política de Inovação Educação Conectada, ferramenta pedagógica para escolas públicas de educação básica.

PL 2.775/2020

Dário Berger (MDB‑SC)

Concede desconto nas contribuições do Fust para operadoras de banda larga que não cobram pelos dados consumidos pelos usuários de sistemas de ensino à distância.

PL 2.599/2020

Confúcio Moura (MDB‑RO)

Desenvolve educação à distância no ensino básico público durante a pandemia de coronavírus.

PL 2.388/2020

Daniella Ribeiro (PP‑PB)

Transfere renda às famílias cadastradas no Cadastro Único para programas sociais do governo federal durante a pandemia de coronavírus.

PL 2.305/2020

Luiz do Carmo (MDB‑GO)

Assegura gratuidade do acesso à internet pelos beneficiários do programa Bolsa Família.

PL 172/2020 (Substitutivo‑CD)

Aloizio Mercadante (ex‑senador)

Prioriza aplicação do Fust em áreas de baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), onde as operadoras têm menos interesse em investir.

PL 6.194/2019

Flávio Arns (Rede‑PR)

Destina 25% dos recursos do Fust para que escolas e bibliotecas públicas promovam inclusão digital.

PL 5.175/2019

Confúcio Moura (MDB‑RO)

Promove inclusão digital e expansão das redes de telecomunicações de interesse coletivo.

PL 3.950/2019

José Serra (PSDB‑SP)

Autoriza concessão de empréstimos e apoio à constituição de garantia de risco nas operações de financiamento.

PL 3.883/2019

Comissão Senado do Futuro

Financia políticas públicas de inclusão digital e massificação do acesso aos serviços de interesse coletivo prestados em regime privado.

PL 3.161/2019

Confúcio Moura (MDB‑RO)

Incentiva conexões à internet em hospitais, escolas, bibliotecas, órgãos de segurança e unidades do serviço público em pontos remotos.

PL 3.072/2019

Jorginho Mello (PL‑SC)

Garante cobertura celular em rodovias federais e estaduais.

Emenda da Câmara (ECD 6/2015) ao PLS 238/2008

Flávio Arns (Rede‑PR)

Promove redução de tarifas cobradas em planos oferecidos a usuários com deficiência auditiva ou de fala.

O senador Otto Alencar (PSD-BA) é autor de duas propostas que alteram a Lei do Fust. O Projeto de Lei do Senado (PLS) 433/2018 prevê a utilização dos recursos para pagar as despesas de telecomunicações do Programa Antártico Brasileiro. Já o PLS 125/2017 veda o contingenciamento de recursos do Fust e do Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações (Funttel) a partir de 2020.

Otto destaca que, entre 2001 e 2016, R$ 15,2 bilhões foram desvinculados do Fust e utilizados em outras despesas, como o pagamento da dívida pública e de benefícios previdenciários. Outro problema, segundo ele, é que a Lei 9.998, de 2000, traz uma “distorção”. “Não é permitido o uso dos recursos em serviços prestados no regime privado, como o provimento de conexões à banda larga, fixa ou móvel, ou mesmo a telefonia móvel. A destinação está restrita à universalização da telefonia fixa, único serviço de telecomunicações prestado sob a égide do regime público”, argumenta.

O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) é autor do PLS 163/2016, que pretende usar o Fust para estimular pequenos provedores de internet e interiorizar o acesso à banda larga e à telefonia móvel. “Entendemos ser uma atualização capaz de enfrentar o problema das desigualdades regionais. Com essas medidas de aperfeiçoamento, o Brasil poderá trilhar o caminho da inclusão social por meio da inclusão digital, o que afetará diretamente seus níveis de desenvolvimento e competitividade”, avalia.

O senador Flávio Arns (Rede-PR) é autor de outros dois projetos. O PL 6.194/2019 destina 25% dos recursos do Fust para que escolas e bibliotecas públicas promovam inclusão digital. Já o PLS 238/2008 recebeu uma emenda da Câmara (ECD 6/2015) para que o fundo seja usado para promover a redução de tarifas cobradas em planos oferecidos a usuários com deficiência auditiva ou de fala.

O PL 3.072/2019, do senador Jorginho Mello (PL-SC), prevê o uso do Fust para garantir cobertura celular em rodovias federais e estaduais. O PL 2.305/2020, do senador Luiz do Carmo (MDB-GO), assegura gratuidade no acesso à internet aos beneficiários do programa Bolsa Família.

O senador José Serra (PSDB-SP) sugere que o Fust seja usado para concessão de empréstimos e garantia de risco em operações de financiamento (PL 3.950/2019). Já o senador Dário Berger (MDB-SC) defende um desconto na contribuição de 1% da receita operacional para as operadoras de banda larga que deixarem de cobrar pelos dados consumidos por usuários de sistemas de ensino a distância (PL 2.775/2020).

Fust e pandemia

Das 18 propostas no Senado que tentam aperfeiçoar o Fust, três preveem o uso do dinheiro para o enfrentamento emergencial do coronavírus. É o caso do Projeto de Lei Complementar (PLP) 197/2020, do senador Dário Berger, que destina até metade do saldo do fundo a ações contra a covid-19. Levando em conta os dados da Anatel, que apontou um saldo financeiro de R$ 5,6 bilhões em 2019, o projeto de Berger garantiria R$ 2,8 bilhões a mais para combater a pandemia em 2020.

O PL 2.599/2020, do senador Confúcio Moura (MDB-RO), autoriza o uso do Fust para desenvolver a educação à distância enquanto durar o período de emergência em saúde pública. De acordo com o texto, o fundo deve cobrir a compra de equipamentos e a prestação do ensino remoto na rede pública de educação básica.

A senadora Daniella Ribeiro é autora do PL 2.388/2020. O texto libera dinheiro do Fust para famílias cadastradas em programas sociais do governo federal durante a pandemia. Na prática, o projeto repassa R$ 100 para que os beneficiários possam pagar a conta de serviços de telecomunicação, como telefone e internet.

A presidente da CCT também relata o PL 172/2020, do ex-senador Aloizio Mercadante. O texto (PLS 103/2007 quando foi apresentado) prioriza a aplicação do Fust em áreas de baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), onde as operadoras têm menos interesse em investir.

— Os recursos do Fust serão utilizados para viabilizar a implantação de novas tecnologias que podem proporcionar a conectividade no campo. Além disso, a previsão é até 2024 investir em maior conectividade nas escolas públicas, principalmente fora das áreas urbanas — destaca Daniella. O projeto foi aprovado pelo Senado e enviado à Câmara que aprovou, em dezembro de 2019, um substitutivo que, agora, está em análise pela senadora.

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