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quarta-feira 3 de março de 2021 às 04:51h

Entenda quando um sistema de saúde de uma cidade ou estado entra em colapso

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Um ano após a pandemia do novo coronavírus chegar ao Brasil, o país vive no início deste mês de março o momento mais crítico no sistema de saúde, com ocupação máxima de leitos e recordes diários no número de novas mortes.

Muito se diz que vivemos uma situação de “colapso” na saúde em diversas localidades do país em razão da Covid-19, mas o que torna uma crise grave a ponto de merecer esse título?

Especialistas ouvidos pela CNN afirmam que um dos principais fatores é a proporção dos leitos ocupados, pela dificuldade de se ocorrer atrás da ampliação dessa estrutura, que demanda recursos e mão de obra. Também entra na conta o ritmo de agravamento da crise, o quanto o agente causador do colapso está avançando frente à capacidade de contê-lo.

“Um dos alertas importantes é a capacidade instalada de leitos, porque é muito difícil você ampliar rapidamente leitos de UTI, é uma área altamente especializada, que depende de pessoal muito qualificado e que não está disponível de maneira imediata no mercado”, afirma José Gomes Temporão, ex-ministro da Saúde e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)

“O grau de circulação do vírus, a capacidade do vírus de se transmitir. Aumentando a circulação de vírus mais pessoas adoecem, mais pessoas vão procurar assistência médica e mais pessoas vão ser internadas”, completa Temporão à CNN.

O médico Felipe Duarte Silva, gerente de práticas médicas do Hospital Sírio Libanês, afirma que o sistema de saúde não é preparado para o surgimento de uma doença como a Covid-19, com características muito diferentes das doenças tradicionais.

“Os sistemas de saúde usam a experiência prévia de atendimento à múltiplas doenças para montar suas estruturas. Num cenário desconhecido, fica muito difícil se preparar. A distribuição de leitos atuais foi feita para atender as doenças mais tradicionais da população, tivemos que nos adaptar rapidamente a essa nova realidade, pois além da Covid-19, temos que continuar a atender todas as outras doenças”, afirma o médico.

Covid-19

Para Edison Luiz Durigon, professor titular de virologia do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (USP), a atual situação do colapso na saúde está sendo determinada pelo tipo de doença que o novo coronavírus causa, por ser uma doença que gera muitas internações.

“É um vírus silencioso, as pessoas pegam e passam bastante tempo sem recorrer ao serviço médico. Quando recorrem, já chegam em uma situação mais delicada e precisam ser internadas”, explica Durigon.

O professor prossegue, argumentando que a situação se agrava pela complexidade dos recursos hospitalares necessários e o tempo de internação longo a que os pacientes são submetidos.

“As pessoas acabam ficando internadas muito tempo, isso colabora para piorar a situação, isso é o que determina o colapso da saúde, o número excessivo de casos de uma doença que interna muito e leva muita gente para a UTI”, acrescenta o virologista.

Há como prever o colapso?

É preciso haver um acompanhamento da evolução da ocupação hospitalar de forma contínua, assim como da demanda e da evolução do cenário nacional e regional. Isso permite fazer previsões, porém elas só são eficientes no curtíssimo prazo, segundo explica o gerente de práticas médicas do Hospital Sírio-Libanês, Felipe Duarte Silva.

“Quando tentamos fazer previsões de longo prazo, vimos que elas foram muito impactadas pelo cenário nacional. Tentamos fazer modelo preditivo, mas isso acabou não se concretizando. A logística de planejamento de divisão e ocupação de leitos é fundamental para garantir que não chegue a um colapso”, acrescenta.

O médico diz que o preparo para o colapso é feito quando os profissionais se reúnem diariamente para analisar os números de pessoas acometidas, as taxas de ocupação de UTI, os espaços, equipes e equipamentos.

“Avaliamos o cenário e criamos planos de ação para quando o hospital alcançar determinados indicadores. Daí, aciona-se aberturas de novos leitos, mudança de espaços, e aquilo que foi planejado para atender os pacientes. Tem como prever o colapso, mas não tem como garantir isso 100%. A melhor forma de prevenir o colapso é ter planos de ação mapeados a partir da análise de dados”.

O ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão enxerga a previsão como um planejamento que deve partir do governo federal. Para Temporão, teria sido necessária uma articulação nacional ao longo de 2020 a fim de prevenir a situação atual — o que, avalia o ex-ministro, não ocorreu.

O virologista Edison Durigon também avalia que o colapso poderia ter sido antecipado e critica “falta absoluta de planejamento”.

“Quando começou o colapso de saúde em março, o Brasil estava em uma situação delicadíssima, Manaus foi uma catástrofe total, uma tragédia anunciada. O que acontece agora é que todos os hospitais de campanha foram desmontados e não fizeram nada. Começamos a ver a segunda onda acontecer na Alemanha, Itália, EUA e novamente ficamos olhando o vírus chegar”, argumenta.

Como sair da crise?

A visão do gerente do Sírio-Libanês, em uma das regiões do Brasil mais afetadas pelo vírus, é de que o colapso pode ser solucionado com a distribuição de leitos a partir de análise de dados e com o comportamento colaborativo de todos.

“Essa colaboração se traduz dentro do hospital, onde todos trabalham incansavelmente para atender os pacientes que procuram nossa instituição, e fora do hospital, com o uso de máscaras, distanciamento social e higiene frequente das mãos”, sintetiza Felipe Duarte Silva.

Os especialistas concordam que a imunização é a solução mais urgente para desafogar o sistema de saúde em situações de crise.

“A saída dessa situação dependeria de um lado de nós conseguirmos o acesso rápido à um número muito grande de doses, o que é difícil hoje, o bem mais escasso no mundo no mercado mundial são as vacinas, e uma revisão crítica por parte do governo federal por sua postura alienada e anticiência”, afirma o ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão.

Temporão acrescenta ainda outras medidas que devem ser adotadas e defende que o Ministério da Saúde lide o esforço de combate, listando medidas como distanciamento social, lockdown, uso de máscaras, medidas de higiene e a imunização.

“A única saída é vacinar, de maneira que a gente consiga diminuir o número de casos, diminuir o número de internações e diminuir o índice de mortalidade. Com isso, a gente sai fora do colapso do sistema de saúde”, afirma o virologista e chefe do departamento de Microbiologia na USP.

Brasil já viveu colapsos outras vezes

Zika, Sarampo e H1N1 são doenças mais recentes que já causaram colapso na saúde do Brasil conforme apontam os especialistas. No passado, a gripe espanhola. No entanto, argumentam, nenhuma situação tão alarmante como a que vivemos atualmente.

“O Brasil já viveu vários colapsos na saúde, um exemplo recente é a epidemia do Sarampo, em Manaus, em 2018, crianças foram à óbito por falta de internação, em 2009 tivemos a pandemia da gripe, da H1N1 e o Brasil viveu um colapso de saúde novamente, com essa doença bastante séria, mas foi mais rápido, a pandemia levou de 3 a 4 meses, então o sistema de saúde conseguiu respirar logo”, afirma Durigon.

Para o médico do Sírio-Libanês, há comparações do cenário atual com a gripe espanhol, “mas aquele era outro mundo, com menos conhecimento e tecnologia”.

“O Brasil já viveu outros momentos críticos sim, em 2009, eu era ministro, e tivemos a pandemia do H1N1, mas nós vacinamos 100 milhões de brasileiros em 2010, mobilizamos, usamos a ciência como aliada, seguimos a recomendação das organizações internacionais. Tivemos surto de febre amarela, surto de dengue, em nenhum momento nós vimos o que estamos assistindo estarrecidos hoje”, afirma José Gomes Temporão.

“Chegou a hora de o Brasil olhar para o que está acontecendo e começar a investir dinheiro em saúde pública, a criar mais hospitais, mais leitos de UTI, a criar uma infraestrutura mínima para que a gente possa combater essas novas pandemias, endemias e epidemias. O coronavírus não será nossa última pandemia”, finaliza o virologista da USP.

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