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sábado 4 de julho de 2020 às 08:42h

O que está por trás da escalada de insatisfação de procuradores federais com Augusto Aras

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O movimento de insatisfação com o procurador-geral da República, Augusto Aras, que vinha até então restrito aos corredores do MPF (Ministério Público Federal), tornou-se público com a saída de procuradores federais que integravam a força-tarefa da Lava Jato na última semana.

Tudo teve início após uma das principais aliadas de Aras, a subprocuradora-geral Lindora Araújo, atual chefe da Lava Jato para os processos no STJ (Superior Tribunal de Justiça) e no STF (Supremo Tribunal Federal), ir até Curitiba com uma equipe do gabinete do chefe do MPF. O objetivo era fazer uma espécie de “busca informal” de dados. Quatro procuradores pediram demissão após essa visita, que também gerou forte reação da categoria.

A PGR (Procuradoria-Geral da República) nega que tenha havia qualquer diligência “informal” e diz que já havia uma reunião marcada de Lindora no Paraná. Nos bastidores, a ala contrária ao procurador-geral afirma que ele teria a intenção de “controlar ações futuras” no núcleo da Lava Jato do Rio de Janeiro, além de “intimidar” e apurar a atuação do ministro Sergio Moro, que esteve à frente da operação quando juiz em Curitiba, conforme afirmaram fontes ao jornal HuffPost. Aras e seus aliados negam qualquer qualquer interesse nesse sentido.

Os embates entre as áreas opostas no Ministério Público não começaram agora, mas têm escalado nos últimos tempos. Procuradores mencionam posicionamentos de Augusto Aras que consideram favoráveis a Jair Bolsonaro – o mais recente delas ocorreu na última quinta-feira (2) mesmo, com uma orientação de que o mandatário seja interrogado por escrito no inquérito que investiga se houve intervenção política dele na Polícia Federal. Foi o presidente quem o indicou à cadeira e de quem o procurador-geral esperaria uma indicação ao STF, segundo procuradores. Tanto Bolsonaro quanto Aras rejeitam essa hipótese.

O HuffPost ouviu de integrantes da PGR termos como “captura do MPF por interesses privados” e “destruição da instituição”. Uma das fontes afirmou, em condição de anonimato, que há uma “preocupação geral” com um “desgaste do nome da instituição na gestão de Aras”.

A postura do procurador-geral sobre as forças-tarefas tem gerado receio de que elas não sejam renovadas — para Aras, a Lava Jato já chegou ao fim. A classe como um todo tem reagido e afirmado a necessidade de autonomia.

Em entrevista ao Programa Pânico, da Rádio Jovem Pan, nesta quinta (2), o coordenador da Lava Jato, procurador Deltan Dallagnol, contestou a posição de Aras, que classificou de “clandestinas” as forças-tarefas.

“Ele mesmo [Aras] promoveu atos para instituir esses trabalhos. E a Lava Jato fez o seu trabalho de modo público e transparente, com resultados surpreendentes, ao ponto de a própria Corregedoria-Geral do Ministério Público Federal, que é órgão da PGR, dizer que os resultados são bons e positivos. Então não entendo por que está sendo criado o discurso com o objetivo de propiciar um desmonte das forças-tarefas.”

Dallagnol sublinhou que a Lava Jato “incomoda”.

“É errado e equivocado dizer que as forças-tarefas são trabalhos clandestinos ou desagregadores, porque elas foram criadas institucionalmente para fazer um trabalho que um procurador sozinho não conseguiria fazer.”

No sábado (28), Dallagnol já havia se pronunciado pelo Twitter sobre o caso, dizendo lamentar os “fatos divulgados”, referindo-se à diligência de Lindora em Curitiba.

Embora a demissão dos procuradores, as declarações de Dallagnol e a reação da categoria pareçam ter explodido apenas por conta da visita de Lindora ao Paraná, muita coisa ocorreu nos últimos tempos e fez ferver uma panela de pressão que já estava prestes a explodir.

Entenda os fatos:

Subprocuradora Lindora Araújo fez uma “busca informal” a dados da força-tarefa de Curitiba, Rio e São Paulo

A Procuradoria-Geral da República disse que não houve uma “diligência informal” em Curitiba, mas uma reunião agendada em maio, que ocorreu conforme o processo natural de transferência de dados. Em nota, informou que “não houve inspeção, mas uma visita de trabalho que visava a obtenção de informações globais sobre o atual estágio das investigações e o acervo da força-tarefa, para solucionar eventuais passivos”.

Isso desencadeou a demissão de três procuradores da república: Hebert Reis Mesquita, Luana Vargas de Macedo e Victor Riccely.

Mesmo procuradores que não atuam na área criminal afirmaram ao HuffPost terem visto na atitude uma “quebra de confiança”.

Em nota divulgada no sábado (28), Aras disse que “a Lava Jato, com êxitos obtidos e reconhecidos pela sociedade, não é um órgão autônomo e distinto do Ministério Público Federal (…) Mas sim uma frente de investigação que deve obedecer a todos os princípios e normas internos da instituição”.

Aras já havia solicitado dados e justifica

Nesta quarta (1º), a PGR divulgou uma nota em que Augusto Aras destaca o amparo judicial do compartilhamento de dados das forças-tarefas da Lava-Jato. Justifica isso afirmando que, quando juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, Moro autorizou o compartilhamento das informações da Lava-Jato para utilização pelo STF e pela procuradoria junto ao STJ.

“Em 6 de fevereiro de 2015, o então juiz da 13ª Vara Federal em Curitiba, Sergio Moro, atendeu a um pedido do coordenador da Força-Tarefa Lava Jato, Deltan Dallagnol, formulado em 5 de fevereiro de 2015, e autorizou ‘o compartilhamento das provas e elementos de informações colhidas nos processos, ações penais, inquéritos e procedimentos conexos, atinentes à Operação Lava Jato, para fins de instrução dos procedimentos instaurados ou a serem instaurados perante o Egrégio Supremo Tribunal Federal para apuração de supostos crimes praticados por autoridades com foro privilegiado’”, destacou o texto divulgado pela PGR.

O PGR continua, afirmando que “em 19 de maio de 2015, o coordenador da Força-Tarefa Lava Jato requereu a extensão da decisão para autorizar, também, o compartilhamento de todos os dados com a PGR para utilização em procedimentos no Superior Tribunal de Justiça (STJ)” e que “em 21 de maio daquele ano, o então juiz Sergio Moro deferiu o pedido”.

Corregedoria do MPF abre sindicância para investigar “ofensiva” de Lindora

Após envio de ofício pela força-tarefa da Lava Jato de Curitiba acusando a subprocuradora Lindora Araújo de uma”manobra ilegal” para tentar copiar dados sigilosos da operação, a corregedora Elizeta Maria de Paiva Ramos determinou uma sindicância para apurar possíveis abusos na ação. A corregedora é próxima de Aras e Lindora.

Ela também vai averiguar o uso de equipamentos de gravação de ligações dos membros da Lava Jato. ”Nesse caso, o objetivo é apurar a regularidade de sua utilização, bem como os cuidados e cautelas necessários para o manuseio desse tipo de equipamento pelos respectivos responsáveis”, disse o ofício.

Conselho Superior do MP elege maioria que pode derrotar Aras

Semana passada, começou a ficar evidente a insatisfação com Aras e a reação dos procuradores, com a eleição dos novos subprocuradores no Conselho Superior do Ministério Público. Presidido pelo procurador-geral, é o órgão quem distribui inquéritos e pode até barrar iniciativas do PGR. Não pode, porém, intervir em investigações.

Esta semana, foram eleitos os subprocuradores-gerais da República José Bonifácio Borges de Andrada e Maria Caetana Cintra Santos. Semana passada, Mario Bonsaglia e Nicolao Dino. Destes, apenas Maria Caetana é alinhada a Aras. Bonsaglia é considerado um adversário do PGR e os demais opositores em alguns casos, e independentes em outros.

Da mesma forma também o são mais três membros do Conselho Superior: José Adonis Callou de Araújo Sá, José Elaeres Marques Teixeira e Luiza Frischeisen. O voto de minerva nas disputas caberá a Elaeres.

Reação também ocorreu pela edição de recomendação de Aras no CNMP na sexta anterior

No dia 19 de junho, Aras havia editado uma recomendação aos procuradores, via CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público), sugerindo que promotores e procuradores evitassem conflitos judiciais durante a pandemia do coronavírus por conta da falta de “consenso científico”.

Retomada de negociação de delação com Taclan Duran

Outro evento no centro da crise na PGR foi a retomada das negociações para um acordo de delação premiada com Tacla Duran, advogado que foi alvo da Lava Jato e está foragido da Justiça.

Duran acusa o advogado Carlos Zucolotto, que foi padrinho de casamento de Sergio Moro e sócio da esposa do ex-ministro da Justiça, de pagar propina para obter vantagens em um acordo de delação premiada que terminou não se concretizando.

Procurador-geral propôs criar um órgão central de combate à corrupção

Em entrevista à Folha, o integrante do Conselho Superior do MPF que vai relatar o projeto, o subprocurador-geral Nívio de Freitas Silva Filho, afirmou haver um temor de que a proposta de centralizar o combate à corrupção em um órgão central empodere Aras.

A ideia é criar a Unidade Nacional de Combate à Corrupção e ao Crime Organizado (Unac), que ficaria em Brasília, e iria incorporar os integrantes das forças tarefas das grandes operações de Curitiba, São Paulo e Rio. A Lava Jato está nesse meio. Também outras que ficaram famosas, como a Greenfield, deflagrada em 2016 para investigar desvios de bancos públicos e estatais estimados em pelo menos R$ 8 bilhões.

“Tenho medo de que um núcleo como esse vire uma grande central de inteligência, que possa ser uma coisa incontrolável”, afirmou Nívio ao jornal.

Setores do MPF temem perda de autonomia com essa proposta. É a opinião da ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República), expressa em nota.

“A ideia de hierarquia entre os membros da instituição foi rejeitada pelo Constituinte originário e qualquer tentativa de resgatá-la reveste-se de patente inconstitucionalidade”, destaca a associação.

“Ressalte-se que todas as forças-tarefas são continuamente acompanhadas pela Corregedoria do Ministério Público Federal – já tendo ocorrido, inclusive, correição neste ano – e também pelo Conselho Nacional do Ministério Público, não havendo fatos idôneos que autorizem, considerado o seu histórico de atuação, a desqualificação do trabalho por elas realizado e muito menos a imputação de pechas de ilegalidade e/ou clandestinidade em sua atuação.”

O texto original, de agosto do ano passado, é da subprocuradora Luiza Frischeisen na verdade, é apoiado pela maior parte do MPF – inclusive pela associação – e não previa as forças tarefas sob a guarda dessa estrutura, mas um Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado. Tinha amplo apoio da classe – até mesmo dos procuradores que atuam na Lava Jato. Porém, sofreu modificações desde a chegada de Aras.

A nova proposta funcionaria assim: o coordenador da Unac será escolhido por Aras. A Unac será acionada sempre que um procurador-geral achar que precisa de auxílio em uma investigação. A unidade, então, vai encaminhar uma equipe para auxílio.

A minuta do projeto ao qual o HuffPost teve acesso fala em ”organização e racionalização do trabalho”. No documento, os subprocuradores-geral Hindemburgo Chateaubriand Filho e José Adônis Callou de Araújo Sá, aliados de Aras, destacam ainda “a economia de recursos, a acumulação contínua e a preservação da experiência e do conhecimento adquiridos, a unificação de rotinas, base de dados, sistemas, e tudo que compõe a sua capacidade de inteligência”.

“Consideramos que a abrangência da atuação da nova unidade deva ser não apenas o combate ao crime organizado, mas à corrupção em geral, na sua dimensão criminal e administrativa, substituindo-se, assim, de forma mais efetiva e com maior amplitude institucional, às forças-tarefas criadas para atuar em casos específicos de grande complexidade”, justificam.

A proposta só deve ser analisada em agosto, mas o relator, o subprocurador Nívio, ainda deve apresentar um substitutivo a ela.

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