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sexta-feira 3 de abril de 2020 às 12:29h

Por que o Brasil ainda não conseguiu fazer testes em massa de coronavírus?

CURIOSIDADES, NOTÍCIAS


A Organização Mundial da Saúde (OMS) pediu há duas semanas que países façam testes em massa em suas populações para combater a pandemia do novo coronavírus.

O diretor-geral da agência, Tedros Adhanom Ghebreyesus, afirmou que testar qualquer caso suspeito de covid-19, a doença causada por esse vírus, é essencial para identificar e isolar o máximo de pessoas infectadas e saber quem pode ter entrado em contato com elas para que se possa quebrar a cadeia de transmissão.

Segundo reportagem da BBC, um dos melhores exemplos disso veio da Coreia do Sul, que era, há algumas semanas, o segundo país mais afetado pelo novo coronavírus. A Coreia não chegou a entrar em quarentena, como outros lugares do mundo, mas testou milhões de pessoas, o que, junto com outras medidas, reduziu drasticamente o número de novos casos e mortes.

O virologista Anderson Brito, do departamento de epidemiologia da Escola de Saúde Pública da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, diz que a testagem em massa também é necessária para tomar medidas de acordo com o estágio da propagação do novo coronavírus em cada país.

“Sem saber a real dimensão da epidemia, um governo pode agir atrasado ou adiantar medidas drásticas sem que sejas necessárias”, afirma Brito.

O governo brasileiro disse a princípio que estava surpreso com a recomendação da OMS, porque a agência sabe dos gargalos que os países enfrentam para aumentar a testagem.

A brasileira Ana Paula Coutinho-Reyse, que lidera a área de prevenção e controle de infecções do programa de emergências da OMS na Europa, diz que, ainda assim, é essencial fazer isso.

“O teste é o primeiro passo para conter o vírus. É obvio que existem dificuldades para testar todo mundo. Mas não é impossível. O que temos pedido é que os governos identifiquem diferentes modelos de como fazer estes testes”, afirma Coutinho-Reyse.

O Ministério da Saúde anunciou desde então algumas medidas para tentar atender a recomendação da OMS, mas o Brasil não conseguiu até o momento cumprir isso à risca.

O que impede o país fazer testes em massa no momento? E o que vem sendo feito para mudar essa situação?

Materiais para testes estão em falta e com preços inflacionados

Os testes aplicados no Brasil até agora são os chamados testes moleculares, também conhecidos como RT-PCR, que são realizados em laboratório.

As amostras de secreções coletadas do nariz ou da garganta de uma pessoa são colocadas em máquinas que identificam a presença do código genético do novo coronavírus neste material.

Leandro Pereira, gerente-geral de tecnologia de produtos para saúde da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), explica que os resultados levam cerca de oito horas para ficarem prontos e que seu índice de precisão é muito próximo de 100%.

“Ele pode ser aplicado desde o início da infecção e é o melhor tipo de teste para fazer o diagnóstico da covid-19”, diz Pereira.

O Ministério da Saúde afirma que já foram distribuídos 54 mil testes RT-PCR para os Estados, mas a pasta disse que não consegue precisar quantos foram de fato realizados até agora.

Em 24 de março, o governo anunciou que foram comprados 4,3 milhões de testes moleculares, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e de empresas privadas, além de mais 600 mil doados pela Petrobrás. Outros 10 milhões estão sendo negociados.

No entanto, o Ministério da Saúde havia informado que esperava que a Fiocruz entregasse 2 milhões de testes até o último dia 30. Mas, até o início de março, a instituição era capaz de produzir apenas cerca de 80 mil kits por mês. A Fiocruz afirma que está ampliando sua capacidade de produção para atender o governo.

Um dos entraves para a produção destes testes é a alta demanda generalizada pelas substâncias químicas que permitem identificar o vírus na amostra neste momento.

Mais de 180 países já foram afetados pelo novo coronavírus, o que aumentou muito a demanda pelos materiais usados nos exames.

“Não há insumos, reagentes e materiais bioquímicos, disponíveis no mercado nacional ou internacional por causa da crise que a pandemia gerou. Sem eles, os testes não podem ser feitos”, afirma Brito.

A grande procura também aumentou o preço do que ainda existe no mercado. Muitos dos insumos são importados e, mesmo com alta do dólar e do euro, encareceram.

Demanda supera a capacidade dos laboratórios

Outro elemento fundamental para a capacidade do Brasil de realizar testes em massa é o número de laboratórios habilitados para analisar as amostras.

Até o meio do mês passado, havia apenas três: a Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, o Instituto Adolfo Lutz, em São Paulo, e o Instituto Evandro Chagas, no Pará.

Em 18 de março, o Ministério da Saúde anunciou que os laboratórios centrais de saúde pública (Lacens) dos 26 Estados e do Distrito Federal também estavam aptos.

Ainda assim, com o aumento exponencial do número de casos nas últimas semanas, a necessidade de testes excede em muito a capacidade, o que vem gerando um acúmulo de amostras a espera de serem analisadas.

Só no Instituto Adolfo Lutz, que consegue testar 1,2 mil amostras por dia, há 16 mil na fila — e esse número vem crescendo rapidamente: eram 12 mil no final da semana passada.

O Ministério da Saúde disse no último dia 24 que o país conseguia então realizar 6,7 mil testes por dia e que seria necessário chegar a 50 mil para lidar com o pico da epidemia.

O governo vem buscando fazer isso ao habilitar laboratórios privados e também de instituições públicas, como da Universidade Federal de Minas Gerais e do Hospital das Clínicas da Universidade Estadual de Campinas.

Isso deve fazer não só com que mais exames sejam realizados diariamente no país, mas também desafogar os laboratórios públicos, diz Benedito da Fonseca, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP).

“Os exames que eram antes feitos nestes locais precisavam passar por uma contraprova em um laboratório do governo. Agora, não precisam mais”, afirma o infectologista.

Governo vai usar testes rápidos contra a pandemia

O aumento do número de casos, a falta de insumos para testes moleculares e o limite da capacidade dos laboratórios levaram o governo a restringir os testes apenas aos casos mais graves e aos profissionais de saúde e segurança.

Brito afirma que essa estratégia não é ideal para lidar com a pandemia, porque estudos apontam que pessoas infectadas são capazes de contagiar outras alguns dias antes dos primeiros sinais da covid-19 aparecerem.

“Entendo que, na situação atual, a prioridade são os casos graves, mas o ideal é testar todo mundo, porque muitas pessoas que não estão visivelmente doentes continuam a circular por aí e a transmitir o vírus”, diz ele.

Uma forma do governo contornar esses problemas é aplicar um outro tipo de teste na população.

Os testes sorológicos identificam em uma amostra de sangue a presença de anticorpos criados pelo organismo para combater o novo coronavírus.

Esses testes verificam a presença de dois tipos de anticorpo: um que é produzido para combater a infecção e outro que serve de memória imunológica para o organismo combater melhor a ameaça se for infectado novamente.

“Se tiver só do primeiro tipo de anticorpo ou mais deste tipo do que do segundo, é uma infecção recente. Se for o inverso, a infecção ocorreu há mais tempo ou o corpo tem apenas uma memória daquela doença”, diz Pereira, da Anvisa.

Nestes testes, uma ou duas gotas de sangue entram em contato com reagentes químicos para indicar se há anticorpos contra o novo coronavírus. O resultado sai em 15 a 30 minutos, por isso, eles também são conhecidos como testes rápidos.

O governo começou a distribuir 500 mil unidades para os Estados nesta semana. É o primeiro lote de um total de 5 milhões que foram doadas pela Vale. O governo também espera contar com mais 3 milhões comprados da Fiocruz.

Testes que detectam anticorpos têm limitações

Pereira explica que estes testes têm a vantagem de não exigirem laboratórios para serem processados nem um profissional treinado para operar máquinas complexas e, por isso, podem ser aplicados onde não há esse tipo de infraestrutura.

Mas os testes rápidos têm limitações. Aqueles que serão aplicados no Brasil foram avaliados pela Anvisa. A agência apontou que sua sensibilidade, como é chamada a capacidade de identificar os anticorpos, é de 80 a 85%, menos do que os testes moleculares.

O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, afirmou em uma coletiva de imprensa na última quarta-feira (1/4) que, em alguns destes testes, esse índice pode cair pela metade.

Os testes rápidos também não devem ser usados para diagnosticar um paciente, porque nosso corpo leva cerca de sete dias para desenvolver anticorpos contra um vírus. “Se ele for aplicado logo no começo da infecção, a tendência é o resultado dar negativo”, diz Pereira.

Mandetta explicou que tudo isso está sendo levado em conta pelo governo e afirmou que os testes sorológicos serão usados em profissionais de saúde e de segurança, para garantir que estão aptos a trabalhar, e em parcelas da população para, por meio de cálculos estatísticos, estimar quantas pessoas já se infectaram no país.

O ministro disse que isso deve fazer o número de casos aumentar substancialmente nas próximas semanas e reduzir a taxa de letalidade do novo coronavírus no Brasil, atualmente em 3,8%.

No entanto, Benedito da Fonseca, da USP, diz que o uso destes testes ainda é motivo de debate entre profissionais de saúde. “O problema é que ninguém tem experiência com eles no país. Não adianta comprar um monte deles e serem ruins, com sensibilidade baixa”, afirma o infectologista.

“Tivemos uma experiência muito ruim com testes rápidos para zika, por exemplo. O ministério gastou muito dinheiro, mas depois vimos que não serviam para nada, porque geravam mais dúvidas do que certezas para o diagnóstico, e foram simplesmente inutilizados.”

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